Resenha: “A invenção de Morel” (Adolfo Bioy Casares)

Resenha de Rafael Pereira do Rego, aluno da ECO/UFRJ (2008-1). Ao final, revisão crítica e propositiva dos editores do ECOnotícias.

Apresentado em forma de diário, A Invenção de Morel vale-se, em parte, do narrador "não confiável" (sua honestidade é confrontada por um suposto editor que aponta contradições e, em certo momento, chega a "omitir" um trecho do diário). Um perseguido político venezuelano refugia-se numa ilha abandonada e temida por ter sido foco de uma terrível doença - sua vida tornara-se tão odiosa que confrontar uma peste que "mata de fora para dentro" pareceu-lhe uma boa saída. Após alguns dias, depara-se com pessoas que nadam em piscinas cheias de cobras e sapos, usam roupas pesadas em dias quentes e, sobretudo, ignoram a sua presença. Atormentado pela sua desconfiança e pela insinuação de uma paixão que, ao longo do romance, ganhará ares trágicos e incontornáveis, o narrador vê-se colocado diante de questões morais e filosóficas que, distanciando-se do terreno simplesmente teórico, terão peso fundamental no desfecho da sua estada na ilha.

A questão da imagem nesse livro é o ponto central de todo processo de produção da história. Em um lado, a imagem está atrelada ao tema do livro, à grande invenção de Morel. Por outro lado, a linguagem, a estilística, a estética do texto estão intrinsecamente ligadas a esse conceito.

O caráter altamente descritivo do texto confere ao leitor uma idéia bem nítida do espaço, dos personagens e das situações. Percebe-se uma notável proximidade com a linguagem cinematográfica. A forma como a trama é narrada, as descrições espaciais e a sua construção fazem o leitor sentir-se um verdadeiro espectador diante da telona, ou melhor, um cúmplice das ações produzidas pelo personagem principal. Nesse sentido, assumimos o papel de atores coadjuvantes por excelência, ao seguir e acompanhar as peripécias do fugitivo. Há diversas passagens que certamente se aproximam a enormes planos-seqüência, conceito utilizado para o Cinema. Simultaneamente, temos a impressão, em certos momentos, de ter havido uma espécie de “edição cinematográfica”, já que, cronologicamente, os fatos não formam uma seqüência linear, com presença de inúmeros “flashbacks”. A construção das imagens no texto tem um efeito revigorante: Casares faz o leitor duvidar do que realmente se apresenta aos seus olhos. Embora se trate de uma história ficcional, a grande verossimilhança interna e externa seduz (e engana) os “espectadores”.

Ao abordar a criação de uma máquina que produz imagens que reproduzem seres animados, somos levados a questionar os limites entre o real e o virtual. Questiona-se o valor dado ao registro das imagens, um desejo de perpetuar a existência humana, incutindo o tema da imortalidade. A imagem só tem sentido quando é percebida com sentimentos e emoção, como algo vivo, animado. Faustino, nessa perspectiva, apesar de ter sido um simples “fantasma”, é amada como uma mulher. Outro ponto abordado é a crítica à questão das novas tecnologias, substituindo a presença humana e a realidade. A escrita, por outro lado, da mesma maneira, foi uma forma de apaziguar o sofrimento do personagem central e registrar as imagens.

Há uma notável relação com a obra “Reparação”, do inglês Ian McEwan, pois, de certa forma, ambos abordam a questão dos fatos, das imagens, sob a perspectiva do narrador. Até a revelação da grande invenção de Morel, pode-se pensar que o resultado seria semelhante. No entanto, o final é surpreendente, já que é quase o contrário da obra inglesa. Nesta, é a perspectiva do narrador que altera e influencia a visão do leitor/espectador acerca das situações. Em “Morel”, por outro lado, é o ambiente e o que se percebe dele como realidade que engana o personagem-narrador e, assim, o leitor.

“A invenção de Morel” é contemporâneo e possui uma validade universal, com um valor inegavelmente vitalício para avaliar o poder das representações e reproduções visuais. Pelo desfecho da trama, identificamos que a vida pode ser estática como o Mundo das Imagens de Morel, uma morte em vida, conforme percebemos no fim.

Comentários dos editores do ECOnotícias

01. No primeiro parágrafo, há uma sentença entre parêntesis. Parêntese ou parêntesis (em grego, "inserção") é uma palavra, expressão ou frase que se interpõe num texto para adicionar informação, normalmente explicativa, mas não essencial. A característica fundamental dos parênteses é não afetar a estrutura sintática do período em que é inserido. Não parece ser o caso desta sentença, que poderia ser uma nova sentença e não vir, portanto, entre parênteses.

02. Há frases longas, que é um velho e conhecido problema. Que tal um ponto antes de "sua vida tornara-se"?

03. A segunda parte do primeiro parágrafo está ótima. Para publicação na Internet, no entanto, daria para essa segunda parte virar um outro parágrafo, pois blocos muito grandes de textos atrapalham a leitura. O princípio é o mesmo das frases muito grandes.

04. Muito bem construído, parabéns!

Nenhum comentário: