Debate na UFRJ discute segurança pública, direitos humanos e narcotráfico com autores do filme e do livro que abordam a temática sob o ponto de vista de integrantes do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar.
Por Fabíola Ortiz, 24/10/2007.
“Quando fiz o filme do ônibus 174 com o ponto de vista da violência do Sandro Nascimento e sua história de vida, me deu uma idéia: por que não fazer um filme do ponto de vista da violência policial, daqueles policiais que mataram o Sandro”. Foi assim que José Padilha, diretor do filme Tropa de Elite — que atraiu um público de 180 mil espectadores só no fim de semana de estréia em São Paulo e no Rio de Janeiro —, deu início ao debate com alunos da Universidade Federal do Rio de Janeiro, promovido pelo Fórum de Ciência e Cultura da instituição.
Após a exibição gratuita do filme para os estudantes universitários, na terça-feira (16/10), o teatro de arena do campus da UFRJ lotou com centenas de alunos para um debate com o diretor e os três autores do livro Elite da Tropa (*), que deu origem ao longa-metragem.
O filme escolhido para abrir o Festival do Rio 2007, em setembro, teve seu lançamento nas telas de cinema antecipado para 12 de outubro. Contou com um orçamento de dez milhões e meio de reais — uma das produções mais caras do cinema brasileiro — e é sucesso de público e crítica.
Capitão Nascimento e o BOPE
O filme é narrado por um policial do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar. Para Padilha, o personagem capitão Nascimento acredita profundamente que a violência deve ser combatida com a própria violência. “O policial que integra o BOPE é um caso extremo de uma polícia que acredita na violência como solução”, diz.
José Padilha explica ainda que sua opção por mostrar o lado policial vem do fato de que no Brasil não havia nenhum longa-metragem que abordasse este ponto de vista – a exemplo do Carandiru, Cidade de Deus e 174, que apresentam outras realidades.
Luis Eduardo Soares, um dos autores do livro Elite da Tropa, considera que as polícias do Brasil, em especial a do Rio de Janeiro, são as mais violentas do mundo. E apontou com dados, a título de comparação, que nos EUA a polícia é tida como a mais brutal e mata 200 pessoas por ano. Segundo ele, dados de 2003 apontam que houve mais de mil mortes no estado do Rio com “sinais claros de execução pela polícia”.
O sociólogo enfatiza os dados mais recentes de 2006 e 2007: ano passado foram 1.600 mortes, este ano já chegamos a 1.400. Em cinco anos, mais de quatro mil casos de pessoas assassinadas. E destaca: “É inaceitável conviver com essas estimativas”. Com o filme e o livro, Luis Eduardo Soares incita a mobilização da opinião pública para discutir a atuação da polícia e pôr em questão esses dados.
Rebatendo às críticas, o diretor afirma que nem o Sandro, nem o Nascimento são heróis. Para ele, considerar algum deles como herói é “simplificar o entendimento do filme”. É preciso ser capaz de olhar e entender o discurso policial, assim como o do Sandro retratado no documentário 174.
“A minha idéia era fazer um filme que as pessoas debatessem”, disse. Padilha considera que o BOPE é um batalhão treinado para a guerra de caça aos traficantes. O BOPE é retratado no filme ambientado em 1997. Na época, 120 homens compunham a corporação, hoje o batalhão já tem mais de quatrocentos. “Em uma cidade que precisa ter esse tipo de polícia especial, já temos um sério problema. Não deveria existir uma polícia como essa, não resta a menor dúvida que ela precisa ser mais humana e respeitar a lei”, opina o diretor.
Luis Eduardo Soares destaca que a sociedade tende a generalizar os policiais como se fossem os principais agressores. “Eles também são vítimas”, afirma o sociólogo, que acrescenta: “O BOPE é como uma seita. Há um processo de institucionalização da violência. O capitão Nascimento é fruto da construção de uma identidade selvagem”.
De acordo com Soares, há dois grandes problemas na polícia: a corrupção e brutalidade. E sobre livro, ressalta que “há um processo histórico da política de segurança pública que está padronizando as atitudes rígidas. Os policiais são também vítimas, antes mesmo de serem apontados como algozes”.
Rodrigo Pimentel concorda e afirma: “A polícia reproduz as violências, os preconceitos e a corrupção da sociedade carioca. A nossa sociedade é violenta, é corrupta e aceita o falso herói como o Nascimento. A polícia acaba fazendo uma réplica da violência destes valores sociais”.
José Padilha enfatiza que o filme não tem como pretensão demarcar uma posição político-partidária. E rebate as críticas: “No 174 me perguntaram se eu era radical de esquerda. Neste [Tropa de Elite], se eu sou radical de direita. Isso seria politicamente inviável”, ironiza. De acordo com o diretor, há uma noção equivocada de que a arte deve sempre propor soluções e abordar toda a realidade: “Isso não é verdade”.
A descriminalização das drogas
“O filme mostra que o usuário recreativo de drogas – aquele que não é viciado e pode escolher comprar ou não – sabe de quem está comprando [se referindo aos grupos armados nas favelas]”. Para o diretor, o filme coloca a questão se aquele que consome drogas está financiando ou não grupos armados.
Já Luis Eduardo Soares é mais contundente: “É claro que as drogas financiam as armas”. O filme aponta para uma sociedade que coloca o consumidor numa situação complicada: “Ou ele compra de grupos armados e acaba financiando a violência urbana, ou não consome”.
Este debate suscita uma polêmica ainda maior: a descriminalização das drogas. Padilha se pergunta por que a droga tem que ser criminalizada e a bebida não. Sobre isso, responde: “Sou a favor da descriminalização das drogas. As pessoas devem escolher o que elas fazem. Se eu quero comprar maconha, o que o Estado tem a ver com isso?”
Porém, o diretor de Tropa de Elite questiona se, com a descriminalização, a violência urbana diminuiria. “Tenho minhas dúvidas, toda vez que se combate o tráfico de drogas aumentam os seqüestros e homicídios”.
Pirataria em debate
Mas não só de críticas e de bilheteria que Tropa de Elite virou um fenômeno. Também bateu o recorde da pirataria. Segundo pesquisa do Datafolha, só em São Paulo cerca de um milhão e meio de pessoas já assistiram ao DVD pirata. No dia 11 de outubro, foram apreendidos em todo o Brasil mais de um milhão de CDs e DVDs pirateados – Tropa de Elite representou 10% de toda a apreensão.
A cópia foi vendida nos camelôs dois meses antes da estréia do filme e ainda não era a sua versão final. Além do Rio e São Paulo, os DVDs piratas podiam ser comprados nas grandes cidades como o Distrito Federal , Belo Horizonte e Salvador. Na internet, mais de 70 mil sites oferecem o filme para download.
Sobre o fenômeno que popularizou o filme, Padilha não nega que tenha ganhado mais projeção, mas mesmo assim considera a pirataria crime. “A pirataria envolve sonegação fiscal, não paga impostos nem reconhece direitos trabalhistas ou dos consumidores. Eu sou a favor de um cinema mais barato, mas piratear não é a solução”.
Em resposta a uma sugestão da platéia de fazer um filme sobre os verdadeiros “chefões do tráfico”, Padilha garante que o próximo filme será sobre o Congresso Nacional. O roteiro está sendo escrito junto com o compositor Gabriel Pensador.
(*) O livro foi escrito pelo sociólogo Luis Eduardo Soares, por André Batista e pelo ex-capitão do BOPE que atuou 6 anos na corporação, Rodrigo Pimentel.
Tropa de Elite: a violência policial retratada no cinema brasileiro
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